segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Mendoza com vinho, com esportes radicais, águas termais - e além

Vinhedos abraçados pela cordilheira, refeições que beiram o ritual, imersão em piscinas de águas termais. Mendoza, na Argentina, é a verdadeira viagem dos sentidos


Cordón del Plata, Mendoza, Argentina
Mergulhada até o pescoço em uma piscina de água termal, eu olhava ao redor e o cenário era árido. Difícil crer que, mesmo cercada por pedras e cactos, pudessem emergir fontes de água. Ainda que não devesse ser uma surpresa: os mais de 1 200 vinhedos que prosperam na província argentina de Mendoza provam que essa terra erma é capaz de vencer muita adversidade. O começo da primavera, por exemplo, marca o início do degelo nos Andes, fazendo as águas deslizarem por entre cânions e montanhas, transformando a paisagem. O sol se encarrega de colorir pinheiros, flores, vinhedos e oliveiras. Mendoza produz alguns dos melhores vinhos do mundo, mas as experiências que o lugar reserva não se limitam ao desarrolhar de uma garrafa.
O melhor a fazer é, por conta própria e com um carro alugado, percorrer desoladas paisagens rochosas e assim experimentar, pelo menos um pouco, as mesmas incertezas que os missionários jesuítas enfrentaram, no século 17, quando aqui chegaram. Vindos do Chile, eles trouxeram na bagagem as primeiras vinhas.
A cidade de Mendoza é o ponto de partida. A Plaza Independencia, no Centro, é conhecida por sua fonte de águas dançantes que avizinha, logo abaixo de sua esplanada, com o Museu Municipal de Arte Moderna e o Teatro Julio Quintanilla. Nos fins de semana, os artesãos locais exibem suas criações nessa praça, que se conecta com duas importantes vias da cidade: o Paseo Sarmiento, coração do centro comercial que mais adiante desemboca no Parque San Martín, lugar que abriga todo mês de março a Festa da Vindima; e a Avenida Mitre, que leva ao Centro Cívico. Nas imediações da Sarmiento você encontra bodegas-butique onde é possível degustar e comprar vinhos, como é o caso da Wine O¿Clock. Ali perto, a Rua Aristides Villanueva é sinônimo de vida noturna, com bares e pubs.
Potrerillos virou point de adoradores de esportes radicais (foto: National Geographic Image Collection/Alamy/Latin Stock)
Terra do malbec
Antes de percorrer os caminhos dos vinhos, o ideal é alugar um carro para se mover sem compromisso e parar onde bem entender. Do relógio, infelizmente, melhor não abrir mão, por causa da visita às vinícolas, principalmente as butiques, que exigem hora marcada. Minha escolha foi um conversível, modelo ideal para aproveitar o sol e o vento no trajeto. Existe um mito difundido de que é difícil dirigir por essas bandas, mas a verdade é que quase todos os caminhos acabam dando nas duas autoestradas principais: a Ruta 40 (de norte a sul) e a 7 (de leste a oeste), que devem ser combinadas em alguns trechos com estradas locais. Basta ter um GPS a bordo que não há erro.
A mítica Ruta 40, que corta o país do Ushuaia até a fronteira com a Bolívia, passa por Luján de Cuyo, uma das regiões vinícolas mais antigas da província, conhecida como "terra do malbec", cepa que se deu muito bem naquele quinhão de terra graças à combinação de solo desértico e geadas na primavera. Ali se encontram bodegas renomadas, como Luigi Bosca, Senetiner, Séptima e Chandon, e outras menos conhecidas, como Vistalba, Weinert e Carmel Patti - para citar apenas alguns dos 50 estabelecimentos.
Impossível visitar todas elas. Sugiro começar pela Lagar Carmel Patti, pioneira no gênero "vinhos de autor", que abriu mão de ter produções grandiosas, enólogos famosos e protocolos rígidos na elaboração de seus vinhos. A bodega fica a meros dez minutos do Centro de Mendoza pela R40 sentido sul. Lá você é atendido por Carmel, o enólogo da casa que aposta nos sabores clássicos e elegantes de bebidas que descansam em barricas de carvalho francês. A cerca de 200 metros, o que pode ser feito a pé, está a Luigi Bosca, da família Arizu. A primeira coisa que vi foram engradados repletos de uvas, em seguida os vinhedos e, mais atrás, a sede da bodega, que lembra uma típica villa italiana. O tour culminou com uma degustação de seus vinhos jovens, como o chardonnay com notas de pasto e frutas cítricas.
Vinhedos do Entre Cielos Wine Resort, em Luján de Cuyo (foto: Divulgação)
Explosão de verdes
Pegando um desvio por Roque Sáenz Peña, se chega à vinícola Vistalba, 5 quilômetros depois, em Chacras de Coria, uma região com um microclima especial no verão que favorece a explosão de verdes. Antecedendo à bodega, surgem os vinhedos, cujas largas fileiras coloridas de verde e ocre terminam aos pés do imponente Cordón del Plata, a 980 metros de altitude. Em meio a uvas do tipo malbec, cabernet sauvignon e bonarda, cheguei ao meu destino, a bodega da família Pulenta (não confundir com a vinícola Pulenta, que também fica na região). Na visita à adega subterrânea, é possível provar vinhos premium, como as linhas Progenie, Tomero e Vistalba. Tantos os vinhos quanto os espumantes e o azeite de oliva de produção própria podem ser degustados no impecável Wine Bar, combinados com menu de quatro etapas, um dos melhores da região (nunca é demais repetir: faça reserva).
Cerca de 12 quilômetros ao sul pela mesma R40, você pode ser enólogo por um dia. Depois de atravessar as águas do Rio Mendoza e suas margens cobertas de arbustos, chega-se à Bodega Renacer. A visita envolve aprender processos como poda das videiras, elaboração da bebida, mistura de uvas (os chamados cortes) e até etiquetagem de uma garrafa com um rótulo próprio, tudo isso em uma hora e meia. Saí de lá feliz com um vinho de minha autoria debaixo do braço.
Apenas 12 minutos depois, pela Calle Guardia Vieja e ladeado por altas montanhas, chega-se ao Entre Cielos Wine Hotel, cujo design moderno se integra muito bem à natureza. Se dirigir entre os vinhedos faz você se sentir em uma paisagem francesa, espere até conhecer o spa com um hamam típico do Marrocos. Relaxamento na piscina, banhos de ervas e massagem com sabonete de azeitonas vão deixar sua pele que é uma coisa! E a alma também.
Relax primeiro, vinho depois
Começar o dia com um toque de adrenalina não é nada mau, especialmente quando se trata de vencer os saltos do Rio Mendoza. Cerca de 47 quilômetros a oeste da Ruta Nacional e entrando em seguida na R7, chega-se a Potrerillos, cidadezinha à beira do Cordón del Prata que nos últimos anos se tornou point de aventureiros que curtem caiaque, hidrospeed (um tipo de morey boogie) e rafting. Este último requer menos treinamento, ideal para iniciantes como eu. Nos trechos mais tranquilos, a calmaria e o silêncio dominam, perfeitos para contemplar os guanacos que vêm beber água nas encostas pedregosas.
A região de Maipú, 30 quilômetros a leste de Mendoza, é outro conhecido enclave do vinho. A partir de Potrerillos, são 50 minutos de carro combinando a R7 com a R40. A paisagem vai mudando à medida que nos afastamos da cordilheira e no caminho surgem fileiras quase infinitas de álamos, sempre alaranjados na primavera, que mais adiante dão lugar a árvores frutíferas e, claro, vinhedos. Maipú abriga ao todo 176 vinícolas - como a Toso, a Lopez, a La Emilia e a Flichman -, cada uma com sua particularidade. No entanto, a mais cativante é a Zuccardi. Os vinhedos podem ser percorridos a bordo de carros antigos, bicicleta ou num balão (isso mesmo!). Ela foi a primeira das vinícolas a abrir um restaurante, hoje no comando de Julia, terceira geração da família. Na Casa del Visitante, você pode provar dois tipos de menu: o regional, com pratos tradicionais regados a azeite e vinho; ou o de seis etapas. Lá, eu também recomendo vivamente o restaurante Pan & Oliva, cercado de oliveiras e em frente ao moinho de onde se extrai azeite de oliva, outra atividade dos Zuccardi.
Templo do vinho
O Valle de Uco, 70 quilômetros ao sul da cidade de Mendoza pela R40, é uma região que se estende desde a bacia do Rio Tunuyán até o sopé dos Andes e está a uma média de mil metros acima do nível do mar. A primavera é a melhor época para visitar, naquelas cercanias, o Parque Provincial Vulcão Tupungato, cujo cume nevado pode ser visto de diferentes pontos do vale e serve de GPS natural para os motoristas. Na mesma R40 está a Bodegas Salentein, um dos edifícios mais modernos e sublimes. Por dentro, lembra um templo medieval, tanto que alguns a chamam de catedral. Impressiona muito a cave circular que fica 8 metros abaixo do solo e abriga 5 mil barricas de carvalho francês. Próxima à bodega está a Posada Salentein, que oferece uma experiência fora de série: a majestosa cordilheira pode ser avistada de todos os ambientes, inclusive dos 16 quartos. O restaurante aberto ao público serve vários tipos de carne assados na lenha (recomendo o cordeiro).
 O ouro de Mendoza (foto: Divulgação)
O melhor upgrade
A Casa de Uco Wine Resort, a 35 quilômetros da Salentein pelas rodovias RP90 e 94, é o melhor upgrade que você poderá se dar nessa viagem. As imensas paredes de vidro conectam os distintos espaços que se fundem com a paisagem, como a horta, os vinhedos, o lago e a cordilheira. O jantar é quase uma cerimônia e fica sob o comando do chef Pablo Torres. No menu de três pratos, me encantei com o lombo com batatas crocantes e chimichurri de framboesa. Os vinhos são de produção própria, produzidos pelo renomado enólogo italiano Alberto Antonini.
Ao cruzar a R40 novamente, desta vez para o norte voltando para Mendoza, antes de pegar o rumo da cidade, resolvi entrar novamente em Luján de Cuyo para conhecer as Termas de Cacheuta (não confundir com o parque aquático, que fica ao lado, ideal para quem estiver com crianças). Lá dentro, precisei atravessar um túnel de pedra para chegar às piscininhas que se formam entre as rochas com temperaturas variando entre 32°C e 42°C. Pouco antes de o sol afundar no horizonte e eu imersa naquelas águas, um pensamento me assaltou: viva a adversidade!
Esticada
Na fronteira com o Chile, a cerca de 220 quilômetros de Mendoza, estão o Parque Provincial Laguna del Diamante e o Vulcão Maipo. São 17 mil hectares em que é possível avistar espécies como o guanaco e o condor. O lago, que congela completamente no inverno e é ótimo para pesca de trutas no verão, foi formado dentro da antiga caldeira de um vulcão e está a 3 250 metros de altura. Além do majestoso Maipo, a região abriga centenas de outros vulcões. O degelo demora a ocorrer nessa área, muito próxima da cordilheira; portanto, é bom consultar sobre o acesso - que pode ficar interditado, com exceção do verão. 

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